A Covid-19 é uma doença nova causada por um vírus cujo comportamento ainda não foi completamente compreendido, é natural que despontem inúmeras dúvidas, perguntas e hipóteses em volta desta questão.
Nos últimos dias, algumas manifestações e pesquisas tentam insinuar e atribuir ao carnaval a porta de entrada do coronavírus, o que não é verdade. Sem dados oficiais, tais análises são reservadas apenas ao universo das hipóteses. O que se sabe é que, no Brasil, o primeiro caso a ser diagnosticado oficialmente foi em um viajante que retornou da Itália para São Paulo. O caso foi detectado em 26 de fevereiro, Quarta-feira de Cinzas, quase 40 dias antes das primeiras confirmações oficiais de transmissão comunitária, em 13 de março.
Os primeiros 20 casos suspeitos estavam distribuídos entre os estados de Pernambuco, Paraíba, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo e Santa Catarina. Doze deles viajaram para a Itália. Outros casos vieram da China, Alemanha, Tailândia e outros países.
Vale lembrar o Carnaval no Brasil acontece logo após o período de férias e viagens de muitas pessoas. Além das inúmeras feiras e eventos internacionais que aconteceram na cidade de São Paulo. Só em fevereiro, foram 8 feiras dos setores de móveis, decorações, joias e artigos para bebês. Produtos frequentemente importados da China, onde tudo começou.
Portanto, atribuir ao Carnaval a responsabilidade pela alta disseminação da Covid-19 é uma hipótese claramente baseada no achismo. Em uma pandemia, ouve-se as autoridades médicas para saber quais protocolos seguir. Em fevereiro, período de verão no Brasil, pouco se sabia sobre a disseminação do vírus ou sobre como ele se comportaria num país tropical. Às vésperas do Carnaval, a orientação das entidades da saúde no Brasil era para manter os eventos e evitar viagens ao exterior, especialmente à China e Itália. Bem como restaurantes e shoppings estavam abertos, shows ocorriam normalmente, jogos de futebol, o comércio e serviços tidos como não essenciais funcionavam plenamente, o Carnaval aconteceu.
Não há evidências científicas de que o feriado tenha sido a porta de entrada para o vírus no Brasil. De modo infeliz, o Carnaval, historicamente, é criminalizado e rechaçado frente a qualquer problema que o país enfrente. Esse discurso irresponsável e sem fundamento tem sido utilizado numa briga política e reproduzido por negacionistas e histéricos.
A velocidade com que novas informações sobre o coronavírus aparecem pode afetar a percepção de tempo e fazer com que pareça que muito se sabia e pouco foi feito. Para desconstruir essa impressão e refutar a hipótese que culpa o Carnaval pela chegada da doença, é preciso retomar os fatos. Em 8 de dezembro de 2019, surgiam os primeiros casos da doença na China. No dia 29 do mesmo mês, os chineses divulgaram o código genético do novo coronavírus e no dia 30, véspera de fim de ano, notificaram a Organização Mundial da Saúde.
Em 28 de janeiro, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, orientou os brasileiros a não viajarem para o exterior. Em coletiva de imprensa, disse: “Nós desaconselhamos e não proibimos as viagens para a China. Não se sabe, ainda, qual é a característica desse vírus que é novo; sabemos que ele tem alta letalidade. Não é recomendável que a pessoa se exponha a uma situação dessas e depois retorne ao Brasil e exponha mais pessoas. Recomendamos que, não sendo necessário, que não se faça viagens, até que o quadro todo esteja bem definido”.
No dia 21 de fevereiro, início do Carnaval em São Paulo, o protocolo para identificar casos do novo coronavírus no país investigava pessoas que estiveram na China, no Japão, Singapura, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Tailândia, Vietnã e Camboja.
Mais oito países foram incluídos no alerta para pessoas que retornaram de viagem e poderiam estar contaminadas com o coronavírus no dia 24 de fevereiro: Alemanha, Austrália, Emirados Árabes, Filipinas, França, Irã, Itália e Malásia. Até este dia, apenas 4 casos suspeitos eram monitorados no Brasil. O primeiro teste positivo para Covid-19 veio no dia 26 de fevereiro. Desde o início da propagação de coronavírus pelo mundo até a sua chegada ao Brasil, portanto, todos os protocolos estabelecidos pelos profissionais da saúde foram seguidos pelas escolas de samba de São Paulo e pelos organizadores do carnaval.
Todos os dias, novas pesquisas surgem e novas orientações para conter o avanço da doença também. Foi só em 13 de março que a Organização Mundial da Saúde declarou estado de pandemia por conta da Covid-19. Pouco tempo depois, no dia 20, o Ministério da Saúde declarou transmissão comunitária no território brasileiro. Na mesma semana, alguns estados já aconselhavam o isolamento social voluntário, uma vez que a medida é a principal estratégia de resposta ao novo coronavírus em todo o mundo. Em São Paulo, a quarentena foi decretada no dia 24 de março. As recomendações para evitar aglomerações, portanto, vieram um mês depois do Carnaval, quando já havia evidências da transmissão comunitária.
Todo mundo precisou readequar a rotina para colaborar com a estratégia de achatar a curva epidêmica e conter o avanço de coronavírus. As escolas de samba de São Paulo prontamente cancelaram seus eventos e intensificaram suas ações sociais para ajudar os menos favorecidos que sofrem mais os efeitos econômicos da quarentena, além de adaptarem ateliês e barracões para a fabricação de equipamentos de proteção individual, que garantem a vida dos profissionais da saúde que estão na linha de frente no combate ao coronavírus, e máscaras para doação.
Seguindo a tendência de toda a indústria cultural, as agremiações se adaptaram para oferecer conteúdo e entretenimento à distância e, como informação também salva vidas, têm trabalhado para conscientizar suas comunidades sobre a importância da prevenção e de ouvir as autoridades médicas para evitar contrair a Covid-19. Não raramente, o senso comum rebate as ações dizendo que não é hora de pensar em Carnaval.
As escolas de samba não são estritamente samba, festa e fantasia. Para quem vive o universo carnavalesco, o próximo Carnaval começa imediatamente após o fim do outro. Como todos os outros setores não essenciais, as escolas de samba estão trabalhando com profissionais dentro de suas próprias casas, pensando no próximo Carnaval, seja ele em 2021 ou em 2022, sem deixar de cumprir sua função social, como têm feito as grandes empresas brasileiras.
O cenário de pandemia traz à tona dois tipos de reações extremas. Há quem negue a gravidade do problema que é a Covid-19 e há quem entre em um tipo de pânico que distorce a realidade. O Carnaval das escolas de samba é feito por pessoas e a preocupação com a vida sempre estará acima de qualquer outra. É preciso seguir os protocolos de higiene e distanciamento social.